quarta-feira, 29 de junho de 2011

A TEORIA GRIERSONIANA DO DOCUMENTÁRIO

O próximo contexto no qual Grierson e o movimento deve ser situado é o idealismo, um pensamento filosófico que forneceu as bases para muitas das ideias de Grierson. O idealismo atingiu sua maior expressão sistemática na Alemanha durante os séculos 18 e 19, no qual retornando à esfera intelectual da Idade Média fez da Alemanha um foco de ideias metafísicas e ideologias anti-materialistas, e se desenvolveu em uma filosofia empírica da realidade baseada no tempo e no infinito, o eterno e o absoluto.[1] O idealismo também funcionava, particularmente nas ideias de Hegel, como um suporte para o feudalismo alemão que pode ser considerado como uma resposta conservadora à modernidade emergente do capitalismo da Europa ocidental. No entanto, apesar do idealismo olhar para a passada Idade Média na tentativa de defender estrutuas sociais feudais, ele também ofereceu uma resposta crítica e cética ao capitalismo desregulado, e é nesta esfera que devemos localizar sua dimensão progressista. (p.35)
O idealismo cresceu na Inglaterra depois de 1860 e se desenvolveu advogando pelos interesses da nação na regulação do capitalismo pelo estado.[2] O idealismo britânico combinava elementos da esquerda e da direita em uma, frequentemente, contraditória ideologia que tratava de temas como: responsabilidade social, reforma, espiritualismo, regida pela elite ‘iluminista’ e na necessidade de retorno às relações sociais da Inglaterra pré-industrial[3]. Como resposta radical da classe média e da classe média baixa aos problemas sociais criados pelo capitalismo, o idealismo era progressivo na defesa da distribuição mais igualitária da riqueza e dos recursos, e conservador no sentido de que advogava frequentemente a percepção de que a posição ocupada pela classe média trabalhadora deveria ser preservada[4].(p.35)
O idealismo britânico atingiu o auge de sua influência entre 1880 e 1914, depois do que caiu em declínio absorvido por teorias relacionadas ao papel da cultura de massa e educação popular no favorecimento da unidade nacional. Neste ponto, o recente idealismo propunha aos intelectuais ‘iluminados’ que cooperassem politicamente na comunicação de objetivos nacionais tornou-se assimilado à teorias sobre como as novas tecnologias de comunicação de massa poderiam criar canais de comunicação entre o governo e a população. A preocupação com a comunicação social e a educação cívica era central no pensamento idealista, e depois de 1918, muitas ideias tornaram-se envolvidas no estabelecimento do papel do serviço público para as novas mídias do filme e do rádio; Jonh Grierson fundou o movimento documentarista enquanto John Reith ajudou a desenvolver o serviço público e o perfil educacional na BBC. Idealistas como eles, eram, em algum nível, reformistas, mas também empregavam a comunicação de massa em um caminho mais direto, no sentido de criar uma sociedade mais unificada. A esse respeito, sua postura diante da comunicação de massa e da educação cívica era mais autoritária do que libertária[5]. (p.36)
Este foi o contexto do qual John Grierson surgiu. Ele não era um pensador isolado, mas um produto de uma tradição idealista que influenciou muitas áreas da vida intelectual na Inglaterra entre 1880 e 1939. O primeiro contato de Grierson com o pensamento idealista foi seu pai, Robert, que o introduziu ao trabalho de Carlyle, Byron e Ruskin[6]. Depois ele estudou o idealismo na Universidade de Glasgow, tendo lido Platão, Kant e Hegel e sendo influenciado pelo filósofo neo-hegeliano F.H, Bradley e o socialista e idealista A.D.Lindsay[7]. Grierson baseou-se em várias crenças dessas ideologias que permaneceram com ele por toda sua vida, incluindo as relacionadas a valoração do estado e de suas estruturas institucionais, na existência de unidades orgânicas na sociedade e no valor da experiência estética não-cognitiva e gradualmente oposta a reformas políticas radicais[8].
Um dos conceitos centrais no discurso da ideologia idealista é a totalidade orgânica. Grierson rejeitou a ideia de que divisões fundamentais eram inerentes a sociedade e argumentou que a sociedade era uma ‘matrix de relações interdependentes’ e consequentemente que as sociedades e instituições integradas eram superiores as que não eram.[9] Essas visões o levaram a um lugar que considerava muito o papel do estado em assegurar a unidade social. De acordo com Grierson, quando o estado constrange o individualismo ou o sectarismo em nome da unificação social, ele está exercitando o ‘bom totalitarismo’: (p.36)

Você pode ser um mau totalitário ou um bom totalitário… assim o tipo de totalitarismo que estou pensando que pode ser aplicado as novas condições da sociedade tem uma profunda raiz na tradição humanitária.[10] (p.37)

            A posição de Grierson parece, à primeira vista, ser explicitamente autoritária, no entanto, não parece tanto quando sua concepção particular sobre o estado é levada em conta. Grierson considerava o estado não como uma instituição centralizadora mas como uma reunião de instituições que administram e regulam a vida social pelo bem nacional.[11] Sua teoria sobre o estado era corporativa e idealista baseada em noções de responsabilidade social e princípios autoritários centralizadores. (p.37)
            Grierson também desenhou uma distinção entre essas instituições e os agentes do estado e argumentou que as instituições poderiam ser corrompidas por agentes mais interessados em  propostas sectárias. Diante de circunstâncias como essas, os cineastas poderiam buscar propósitos mais críticos. Essa distinção provocou a emergência de práticas cinematográficas mais críticas no movimento documentarista. No entanto, segundo Grierson, tal prática deveria ter como premissa o entendimento da necessidade de sustentar as instituições centrais do estado e efetivamente regular o criticismo circunstancialmente. (p.37)
            Além das influências da concepção idealista do estado, Grierson foi também influenciado por posições estéticas idealistas baseadas em expressões intuitivas e premissas expressivas. Ele foi particularmente influenciado pela asserção kantiana de que a base da percepção estética está na percepção de complexas unidades e harmonias, e de que o papel da arte era mostrar essas harmonias ao espectador, assim eles poderiam relacionar essas visões da vida com sua visão individual.[12] Uma outra influência importante para Grierson foi a convicção de F. H. Bradley de que a complexidade existencial subjacente a realidade poderia somente ser experimentada intuitivamente e não através da razão conceitual.[13] Isso quer dizer que para comunicar efetivamente, a arte deveria empregar o geral e o simbólico ao invés de modos de expressão didáticos ou pedagógicos.[14] Essas crenças nas formas de expressão simbólicas e na comunicação social eram também influenciadas pelas teorias de comunicação de massa e conhecimento público que Grierson tomou conhecimento enquanto esteve na América nos anos 20. Ele foi particularmente influenciado pelo argumento de Walter Lippmann de que a comunicação pública tinha que adotar uma forma impressionista e generalizada para ser efetiva. (p.37)
            De todas essas influências Grierson chegou a definição de que a principal função do filme documentário deve ser a de representar a interdependência e evolução das relações sociais de uma forma dramática, descritiva e simbólica. Essa função seria simultaneamente sociológica e estética: sociológica pois envolveria a descrição de relações sociais e estética pois utilizaria meios imaginativos e simbólicos para este fim.[15] Além disso, Grierson argumentou que o documentário era idealmente adaptado para representar a natureza interconectada das relações sociais porque, de todas as mídias, o filme documentário era o meio que havia nascido para expressar o transcorrer da vida e sua interdependência, muito mais do que as outras mídias existentes.[16] Exemplos dessa interdependência podem ser encontrados na maioria dos filmes documentários produzidos inicialmente pelo movimento. Em Drifters a montagem é usada para ilustrar a forma como todas as partes do processo de pesca são interconectadas. Em Song of Ceylon as conexões entre o tradicional e o moderno, a religião e o secular, são enfatizadas, enquanto em Night Mail a nação britânica é vista amarrada através dos processos de comunicação. Em todos esses filmes a informação descritiva de processos particulares são combinadas, e frequentemente dominadas, por técnicas impressionistas e simbolistas para expressar poeticamente o senso de unidade. (p.38)
            A primeira elaboração mais sistemática de Grierson sobre o filme documentário surgiu em 1927 em um memorando para a EMB entitulado ‘Notas para Produtores Ingleses[17]’. Na segunda parte desse memorando, chamada ‘Produção do Cinema Inglês e a Tradição Naturalista’ Grierson postula duas categorias diferentes de produção cinematográfica, uma consistia em uma produção de 7 ou 9 rolos fílmicos e outra de cerca de 4 rolos. A primeira categoria é baseada nas teorias do ‘cinema épico’ que ele elaborou na América nos anos 20, tal categoria consistia em filmes sobre dilemas individuais, preocupações e relacionamentos, mas também deveriam conter representações de instituições sociais e nacionais.[18] (p.38)
Embora a teoria griersoniana do cinema épico possa ser descrita como uma forma realista de cinema, não poderia ser descrita como uma forma crítica de cinema realista. A abordagem defendida por Grierson não seria, nem crítica acerca da realidade contemporânea, nem suscitaria o pensamento crítico do espectador. Ao invés disso, o entendimento do espectador seria direcionado para o reconhecimento do essencial subjacente em uma visão unificada da sociedade que Grierson refere-se como ‘realidade continuada’[19]. O modelo de cinema épico griersoniano também desenha concepções particulares de identificação do espectador e da natureza humana quando ele argumenta que esse tipo de filme deve conter representacões tranquilizadoras da realidade social contemporânea.[20] Ele acreditava que o ‘pensamento popular estaria sempre mais disposto a aceitação de representações otimistas da vida social’ e que não se identificaria com representações negativas e não familiarizadas.[21] Essa visão da mentalidade popular quando combinada com uma postura diretiva de representação social enfatiza o fato de que a teoria do cinema épico era consideravelemnte mais diretiva do que crítica.
O modelo griersoniano de cinema épico tinha uma pequena relação com o orçamento limitado da EMB, e na segunda parte do memorando de 1927 ele define uma forma de cinema mais apropriada às circunstâncias mais modestas. Essa segunda categoria de produção cinematográfica consistia em filmes de curta duração que teria como objetivo principal representar inter-relações sociais entre culturas primitivas e a moderna sociedade industrial. Grierson acreditava que esses filmes poderiam ser um marco de uma nova fase na produção cinematográfica e que necessitavam ser superiores e diferentes de qualquer formato existente: (p.39)

Se esses filmes pretendem evitar o destino da industria comercial e dos cahados filmes educativos do passado e se ele devem ser ealmente efetivos no propósito educacional e de propaganda eles devem ser feitos de forma original. Os filmes de atualidades têm frequentemente considerado uma cena ou outra sem considerar primeiro a questão do tempo, do ritmo e da composição: de fato, sem perceber que, mesmo quando não há uma história a ser contada, pode-se ganhar efeitos intensos explorando os movimentos de uma forma dramática.[22] (p.39)

Nesses filmes os efeitos visuais poderiam ser orquestrados em sequências cinematográficas de grande vitalidade através do uso de montagens e composições visuais sofisticadas.[23] Tal abordagem envolveria o abandono do documentário naturalista rudimentar e os processos de construção narrativa comuns aos filmes comerciais, e essas posições da primeira teoria de Grierson estão claramente relacionadas ao modelo modernista. (p.39)
            No entanto essa definição griersoniana sobre o filme documentário enfatizava as técnicas formativas da montagem, a ‘atualidade’ permance importante para a distição entre o real e o atual. Em um escrito sobre Drifters, logo após seu lançamento, Grierson argumenta que o conteúdo empírico (o atual) foi organizado para expressar verdades universais, o real que existe em um nível subjacente de abstração não pode ser diretamente representado.[24] Sua definição de real é bastante nebulosa e essencialmente baseada na noção hegeliana de Zeitgeist,  ou o espírito do tempo. O real para ele consite de fatores determinados e predisposições específicas de tempo e espaço, e Grierson argumenta que o imagético de documentário deve ser organizado para expressá-lo. (p.40)
A primeira definição de Grierson sobre o filme documentário foi baseada na revelação advinda da manipulação técnica da montagem. Grierson argumentou que a imagem documentária seria capaz de significar o real mais profundamente do que a imagem captada artificialmente em estúdio pois esta poderia registrar a ‘superfície fenomenológica  da realidade’ e porque, para Grierson há um relacionamento entre o o fenômeno (o atual) e o real.[25] A referêcia de Grierson ao fenomenológico é significativa: uma de suas maiores influências na época era o autora hungariano Bela Balazs, que argumentou que o filme poderia expressar a realidade poética existente além do empírico mas que só poderia ser alcancada através dele. Aqui há uma semelhança considerável entre o pensamento de Balazs; ‘o artista poderia representar… a encarnação da alma em termos de caráter ou gesto’; e o pensamento de Grierson que o documentário poderia representar ‘as características de gesto e caráter desgastadas pelo tempo’.[26] Ambas ideologias enfatizam a habilidade da imagem naturalista em significar realidades abstratas. (p.40)
Além das influências de Balazs, as ideias de Grierson também foram influenciadas por uma preocupação mais generalizada com o visual que permeia as teorias européias sobre o cinema durante o período mudo. Seu discurso crítico sobre o cinema inclui o trabalho de Kracauer, Arnheim e Balazs e foi caracterizado pela preocupação em formas de expressão não-cognitivas e irracionais. Nessas críticas o cinema foi visto como um local de prazer visual e como um instrumento no qual o ‘real’ poderia tornar-se visível.[27] O visual foi considerado um modo primitivo pré-datado a razão conceitual, e o cinema foi ensinado a oferecer a possibilidade de retorno à experiência sensorial perdida.[28](p.40)
Além da ênfase no visual, este primeiro discurso crítico também salientou a importância da concretude do imediato como um meio de ver o mundo através da ideologia. A habilidade do cinema de representar o concreto, incluindo o gesto e as expressões faciais era, no entanto, considerada particularmente importante e como o visual, o gesto e as expressões faciais eram consideradas linguagens primitivas, capazes de transceder o nacional, classe, gênero e manipulações de linguagem.[29] (p.41)
A primeira teoria griersoniana do documentário consitia em 3 elementos principais: (1) a preocupação com o conteúdo e riqueza de expressão da atualidade; (2) a preocupação com o potencial interpretativo da montagem; (3) a preocupação com a representação das relações sociais. Essas podem ser encontradas em sua primeira teoria e nos filmes produzidos pelo movimento documentarista entre 1929 e 1935. Depois disso o estilo de montagem poética de filmes como Drifters e Song of Ceylon deu espaço para formas mais didáticas e estilos jornalísticos equanto a primeira preocupação com as esteeticas filosóficas foram substituídas por um discurso fundamentado em questões de propaganda e educação cívica instrumental. (p.41)
As preocupações do seu  último período são mais claramente expressas na coleção de ensaios de Grierson publicada em Grierson on Documentary (1946).[30] Os leitores desse ensaio geralmente concordam com a posição de críticos como Andrew Tudor que argumenta que Grierson advogou por uma abordagem na qual ‘o cinema enfatiza a sua intencionalidade à custa do cinema … e em tais filmes de importância apenas como instrumento de persuasão social’.[31] (p.41)
O ensaio em Grierson on Documentary que incorpora uma atitude mais firme é o ‘The Documentary Idea’, escrito em 1942. Neste ensaio Grierson fala sobre ‘bang[ing films]out one a fortnight … with a minimum of dawdling over how some poor darling happens to react to something or other’[32]. Ele segue no argumento de que ‘a ideia do documentário não era basicamente uma ideia fílmica … aconteceu de o meio ser o mais conveniente’.[33] Uma atitude excessiva e desmedida prevalece ao longo desse ensaio. Por exemplo, Grierson ostenta o uso da estética no moviento, descrevendo Flaherty e Cavalcanti como ‘companheiros de viagem’: uma terminologia carregada de interesse próprio e deslealdade. Os cineastas que não produziram os tipos de filmes instrumentais que ele defendia  eram descritos como ‘velhos’ … sentindo piedade de si mesmos e fazendo ‘belos filmes sobre isso’.[34] Ele também olhou para trás, com pesar, para a produção dos filmes sociais dos anos 30, alegando que depois de Munique e tornou-se determiando em abandonar a proecupação com o local e o particular e passar a produzir filmes apenas sobre as ‘forças do mundo’.[35]
A palavra ‘belo’, mau usada particularmente neste ensaio, é definida em termos de decadência e ‘cultura sem energia’. Bizarramente Grierson aplaude o dizer infame de Goering ‘quando qualquer um menciona a palavra cultura, eu procuro minha arma’ como um ‘reconhecimento bem-sucedido’ da necessidade de trocar o belo pela energia, e na nova ‘era da energia’, ‘regular a selva’ sem energia que a cultura contemporânea se transformou.[36] O uso excessivo desse modo de expressar é acompanhado de uma avaliação fantasiosa de suas próprias realizações, como por exemplo quando ele afirma que ‘em uma década de fraqueza espiritual o filme documentário alcançou, quase que sozinho entre as outras mídias, o futuro’. O ensaio conclui fazendo uma crítica ao cinema comercial e ao gosto do público.

Então acabou o tempo e os finais catárticos nos quais o bem, o bravo, as lágrimas, a auto-satisfação e o tempo perdido foi de todos. O bilheteiro – alcoviteiro da preguiça, da fraqueza, do reacionário, sentimental e derrotista em todos nós irá, instintivamente gritar. E irá querer relaxar se você quiser, mesmo depois da guerra. Mas essa forma não leva a nada.[37]

            O ensaio de 1942 pode ser considerada uma aberração descaracterizada provocada pelo sentimento de injustiça de Grierson por ele ter sido excluído do sistema público de propaganda britânico no período de guerra, e pela rejeição da abordagem dele para o filme documentário feita pelos cineastas da Crown. De alguma maneira esse ensaio foi um manifesto que reestabeleceu as crenças de Grierson sobre os fundamentos para o documentário. Foi inicialmente publicado em 1942 em uma edição do Documentary Newsletter como uma resposta ao Film and Reality (1942) de Cavalcanti, uma compilação de filmes que revia a história do filme documentário enfatizando suas qualidades estéticas e conquistas enquanto gênero. O filme de Cavalcanti foi, em parte, tencionado para uma deliberada e ostensiva rejeição ao modelo didático e ao documentário voltado para educação cívica que foi promovido por Grierson e seus colaboradores. O ensaio de 1942 foi propositalmente voltado para criticar a abordagem desenvolvida pela Crown Film Unit sob a liderança de Cavalcanti e reestabelecer o a hegemonia do modelo griersoniano no movimento documentarista.
            Tem sido sugerido que não apenas o ensaio de 1942 mas a maioria dos escritos de Grierson durante o período de guerra apresentam-se descaraterizados de suas posições iniciais visando uma estratégia temporária para as demandas da época. Porém tal arguento é minado  pelo fato da ideologia griersoniana ter permanecido intacta dos anos 20 até os anos 70. Esse grau incomum de continuidade é inverossímel com a ‘substituição epistemológica’ ocorrida no período de guerra e demonstra a importância do entendimento da continuidade ideológica sustentada pelas posições de Grierson pré e pós 1937 no relacionamento entre a estética e o sociológico. (p.43)
            A fonte dessa continuidade ideológica  era o idealismo filosófico e mais do que o a substituição epistemológica ocorrida nas ideias de Grierson depois de 1940, as tendências autoritárias estavam sempre implícitas, porém antes de 1936 dialeticamente conectadas com ideias mais progressistas, tornaram-se mais dominantes. Isso é muito claramente ilustrado em muitos dos ensaios no Grierson on Documentary pós 1940, onde a abordagem autoritária prevalece. Nesses parâmetros a vocação do produtor/educador proclama-se na crença do relacionamento social e da ‘boa propaganda’, mais do que no discurso plural, e o tipo de documentário que emergiu desse idelaismo conservador pode ser descrito como funcional e instrumental e explicitamente oposto a arte e a autoralidade. (p.43)
            A mudança radical no estilo e ênfase do pré-1936 e pós-1936 também pode ser explicada na substituição de preocupação com o naturalismo fenomenológico da imagem com um estilo mais diretivo sempre implícito na noção Griersoniana de interpretação da realidade. No último período essa característica mais diretiva aliou-se ao objetivo primordial de representação da unidade do relacionamento social tendo a noção estética da imagem gradualmente sumprimida. (p.44)
            A última abordagem de Grierson a respeito do filme documentário é problemática nos sentidos estético e ético e parece ter pouco a oferecer  ao desenvolvimento de formas viáveis de produção documentária teórica e prática. No entanto há evidências que sugerem que próximo do fim de sua vida ele tenha retornado ao primórdios de suas posições e passou a enfatizar a importância da dimensão estética no filme documentário. Em I Remember, I Remember, ele descreve o documentário praticamente em termos artísticos e abandona o discurso instrumental que caracterizou o período anterior. Indica que a a tensão dialética entre a estético e o sociológico, que sempre esteve presente em sua ideologia e que foi levada para apenas uma direção entre 1937-67, tenha sido revertida para uma abordagem mais equilibrada que caracterizou o período de 1929 a 1936. (p. 44)


[1] Hauser, Arnold. Roccoco, Classicism and Romantism: The Social History of Art. Vol.3 (London, Routledge and Kegan Paul, 1951), p.105.
[2] Williams, Raymond, Culture and Society 1780-1950 (London, Cardinal, 1962), pp.299-305
[3] Hobsbawm, Eric, The Age of Revolution (London, Cardinal, 1962), pp.299-305
[4] Ibid.,pp299.
[5] A distinção básica entre o sistema libertário e o autoritário reside na independência dos organismos de comunicação de massa e na crítica ao estado, enquanto que no último eles são estreitamente conectados ao estado e trabalham para atuar enquanto seus instrumentos.
[6] Ver Aitken (1990), op. Cit., pp. 24-6
[7] Ibid., pp. 41-7
[8] Ibid., pp. 43-7
[9] Grierson, John, The Chalenge to Peace em Forsyth Hardy (1979), op.cit.,p.176.
[10] Grierson, John, Education and The New Order em Forsyth Hardy (1979), op.cit.,p.130, (versão reimpressa Capítulo 2).
[11] Grierson, John, Answers to a Cambrige Questionnarie em Granta (Cambridge, Cambridge University Press 1967), p.10, (versão reimpressa Capítulo 2).
[12] Grierson, Jonh, The Social Relationships of Cinema (Grierson Archive Papers), G3.9.4,p.1
[13] Bradley, F. H., Essays on Truth and Reality (London, Clarendon Press, 1914), p.175
[14] Grierson, John, The Contribution of Poetry to Religion (Grierson Archive Papers), G1.5,2, p.2
[15] Grierson (1967), op.cit.
[16] Grierson, John, The Chalenge to Peace em Forsyth Hardy (1979), op.cit.,p.178.
[17] Grierson, John. Notes for English Producers (1927) (Public Records Office BT 64/86/5511/28).
[18] Grierson (1926), op. cit., pp.227-49.
[19] Grierson (1952), op. cit., p.16.
[20] Grierson (1926), op. cit., p.13.
[21] Ibid., p.21.
[22] Ibid., p.21.
[23] Ibid.
[24] Grierson, John.  Artigo sem título iniciado com ‘Against this background some indication of the part of cinema’. (Grierson Archive Papers) G2.8.7,p.1
[25] Ibid.
[26] Grierson, Jonh. Flaherty, Naturalism and the Problem of the English Cinema. Artwork (Autumn, 1931), p.124.
[27] Kaes, Anton. Literary Intelectuals and the Cinema: Charting a Controversy. Em Barthrick (1987), op.cit., p.24.
[28] Koch, Gertrud. Bela Balazs: The Physiognomy of Things. New German Critique, 40 (Winter, 1987).p.177.
[29] Hake, Sabine. Towards a Philosophy of Film. Em Hake (1993), op.cit.,p.132.
[30] Forsyth Hardy (1946), op. cit.
[31] Tudor, Andrew. Theories of Film. (London, Secker&Warburg, 1974),p.75.
[32] Grierson, John. The Documentary Idea. Em Forsyth Hardy (1979), op.cit., pp.111-12 (reeditado, Capítulo 2).
[33] Ibid., p. 112.
[34] Ibid.
[35] Ibid., p.115.
[36] Ibid., p.121.
[37] Ibid.

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